A sexualidade nos dias atuais

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Hoje Resolvi convidar a psicóloga que atende em meu consultório para explicar um pouco sobre como surgiu a sexualidade, toda a sua história e como ela se manifesta em 2017! Ela nos conta de onde surgem os principais termos e como cada indivíduo se porta em certas situações!

“Quando pensamos em sexualidade feminina e masculina, automaticamente remetemos a questões que vão além de características físicas e particularidades de cada gênero, sendo de importância fundamental adicionarmos aspectos culturais e sociais nessa reflexão. Frequentemente implícitas em atitudes do cotidiano que comumente nos passam despercebidas, essas influências são inevitáveis e inseparáveis de nossa constituição, considerando que somos seres biopsicossociais, ou seja, definidos por questões de cunho biológico (características adquiridas ao longo do processo evolutivo da espécie humana), psicológico (personalidade, traços de caráter, temperamento, etc) e social (modos de convivência e papeis que desempenhamos em nosso meio cultural).

Ao longo da história, desde nossos primeiros ancestrais, sabemos que as atribuições de cada sexo se diferenciavam basicamente da seguinte forma: as mulheres se responsabilizavam por cuidar da prole, enquanto os homens assumiam o trabalho da caça e consequente obtenção de comida para os filhos. Analisando a passagem do tempo, podemos perceber que, ainda que muitas mudanças tenham ocorrido e ainda estejam se desenvolvendo, a ideia básica permanece praticamente a mesma, considerando que a mulher continua assumindo a função de tomar conta do lar e de seus descendentes, enquanto o homem, por sua vez, desempenha o papel de provedor no âmbito das necessidades financeiras.

Outrossim, conforme coloca Simone de Beauvoir em seu livro “O Segundo Sexo”, considera-se fundamental mencionar a constituição dos organismos feminino e masculino, sendo que estes se mostram como profundamente simétricos e complementares. A fêmea libera um óvulo, o qual retém no útero, e o macho deposita o sêmen, munido de um órgão copulador o qual lhe permite introduzi-lo na parceira. Nas mais variadas espécies de animais e insetos, constata-se que os machos manifestam, na fecundação, mais iniciativa do que a fêmea, indo à procura dela e impondo-lhe o coito. Mas é especialmente nos mamíferos que se realiza, de maneira definitiva, a separação dos sexos, manifestando-se na cisão entre eles os dois momentos vitais: manter e criar. Percebe-se que, na copulação de muitos pássaros, mamíferos e até insetos, é o macho quem possui, por meio da penetração, e a fêmea é possuída, pega pelo macho, cabendo ao mesmo os movimentos ativos do coito. Nesse sentido, o macho se mostra um instrumento animado, ao passo que o órgão feminino, nessa operação, é um receptáculo inerte. A fêmea recebe o sêmen do macho e, embora desempenhe um papel fundamentalmente ativo na procriação, ela “sofre” o coito, e o vive como uma história interior, e não como uma relação com o mundo externo. Da mesma forma, são os espermatozoides do homem que vão ao encontro do óvulo da mulher.

É importante enfatizar que o ato sexual, falando no sentido biológico, tem como o objetivo a procriação e a consequente preservação das espécies no reino animal. Mostra-se como um instinto básico, justamente visando a passagem dos genes às gerações seguintes e, assim, torna-se garantida a perpetuação dos genótipos, e a extinção de determinadas espécies apresenta menores probabilidades de ocorrência. Assim sendo, mesmo que ambos os gametas tenham igual importância no momento da fecundação, tais questões, juntamente com as demais exploradas acima, acabam por interferir no que diz respeito à atribuição dos papeis feminino e masculino, os quais, respectivamente, são retratados como sinônimos de passividade e atividade.

Por conseguinte, é possível pensar que, na sexualidade, os papeis de cada gênero se manifestam de forma consideravelmente semelhante. Em seu artigo “A construção social dos papeis sexuais femininos”, os autores Baldwin, DeSouza e Rosa exploram acerca do machismo e de um modelo que contrapõe o machismo: o Modelo de Maria (Marianismo). Aqui, ocorre a idolatria à mulher que se porta de forma submissa aos homens, mostrando-se uma boa mãe e esposa e que, também, se auto-sacrifica a favor da dominação masculina. Os autores mencionam citações nas quais essa imagem de mulher apresenta ligação com as características de pureza da Virgem Maria, dentre elas o aspecto de ser assexuada. Nesse texto, também são feitas comparações das possibilidades sexuais dos homens e das mulheres no Brasil: para elas, estas são consideravelmente reduzidas. Termos de linguagem utilizados no dia-a-dia dos cidadãos exemplificam tal fato, de forma que o papel atribuído aos homens é o de “comer”, ao passo que, à mulher, é o de “dar”. Novamente, a passividade feminina e a atividade masculina se exacerbam, pois entende-se “comer” enquanto sinônimo de possuir e de vencer. Dessa forma, considera-se que esse vocabulário indica a educação social que é disponibilizada às mulheres, referente a desempenharem o papel de parceiras sexuais receptivas e passivas, enquanto que, aos homens, é passada a ideia de perseguir, dominar e penetrar. Para os homens, é comumente aceito o fato de estes terem múltiplos relacionamentos sexuais; já para a mulher, isso é motivo de constrangimento e de discriminação.

Refletindo acerca de tais apontamentos, podemos pensar na impossibilidade de separação entre sociedade e indivíduo, já que, enquanto seres únicos, somos constantemente influenciados pelo ambiente e pelos contextos que nos cercam. Assim sendo, ressalto que a sexualidade, principalmente a feminina – devido a seculares repreensões sofridas por parte mulheres – se mostra, ainda, um grande tabu. Enquanto os homens ativos sexualmente são socialmente valorizados e estimulados, as mulheres que apresentam tal comportamento sofrem represálias. O contexto social espera dos homens desempenhos sexuais de alta performance e recorrentes, os quais afirmarão sua masculinidade; da mulher, exige-se uma adequada oferta de prazer ao seu parceiro, não importando se ela própria desfruta da experiência e obtém prazer com isso.

Tendo isso em mente, considero essenciais novas formas de pensamento e de comportamento em nosso atual cenário cultural. O homem não é só o seu desempenho sexual, e a mulher não é uma simples serviçal deste. Ambos são indivíduos dotados de potencialidades únicas, as quais, em um relacionamento íntimo, devem se complementar e se respeitar mutuamente. A psicologia, enquanto ciência e profissão, trabalha com ressignificação e reconstrução de perspectivas, visando o bem-estar e a saúde de todos por igual.

Autoria do texto: Elisa Zanonato Borgheti

Referências:

Artigo – “A construção social dos papeis sexuais femininos” (Baldwin, DeSouza e Rosa): http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722000000300016

Livro – Simone de Beauvoir: O Segundo Sexo (6ª edição – 1980)

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